segunda-feira, 4 de abril de 2011

Uma revolução necessária na Saúde Suplementar

Hoje, 23% dos brasileiros são usuários do sistema de saúde suplementar com direito a atendimento no sistema privado. No Estado de São Paulo, esta porcentagem chega a 40% da população com mais de 18 milhões de associados a operadoras e planos de saúde.

Esses brasileiros vivem sob uma condição perversa. O atual sistema de remuneração das operadoras de saúde aos hospitais, em sua grande parte, é feita pelo sistema fee for service (pagamento por serviço prestado), isto traduz-se no fato de que quanto mais o paciente consumir em serviços, materiais e medicamentos, mais o hospital vai "lucrar".

Por uma sequência enorme de políticas erradas nos acordos comerciais entre hospitais e operadoras vindas dos tempos de inflação alta, os hospitais transformaram-se em enormes farmácias que sobrevivem (ou ganham dinheiro) às custas da venda destes materiais e medicamentos, tendo reduzido enormemente suas margens de rentabilidade em diárias e taxas. É como se os hotéis deixassem de garantir sua sustentabilidade pela locação dos quartos e passassem a ser grandes shoppings.

Mas afinal, aonde está esta condição perversa? A perversão do sistema está em que o hospital passa a obter lucro de danos causados pela assistência ao paciente. Assim, se o paciente sofrer uma infecção hospitalar o hospital lucra muito com a venda de antibióticos, já que antibióticos usados para tratamento de infecções hospitalares são muito mais rentáveis que antibióticos comuns. Se o paciente sofrer uma embolia pulmonar durante sua internação, um procedimento simples de baixa rentabilidade pode tornar-se num tratamento altamente rentável para o hospital.

Isto transforma a assistência hospitalar num mundo esquizofrênico no qual a melhoria da qualidade na assistência e o gerenciamento de risco com redução dos danos aos pacientes trazem prejuízos ou queda na rentabilidade dos hospitais.

Há mais de 10 anos, hospitais do mundo inteiro vem promovendo uma intensa melhoria na qualidade e segurança ao paciente e não é pouco frequente ouvir de executivos de grandes instituições hospitalares que este movimento de melhoria reduziu sua lucratividade. Neste cenário o maior prejudicado é o paciente que fica desarmado no meio da guerra entre hospitais e operadoras.

É sempre bom nessas situações lembrarmos de John Nash e a Teoria dos Jogos demonstrado de modo tão didático no filme Uma Mente Brilhante!


De acordo com a teoria dos jogos, os melhores resultados surgem quando fazemos o melhor para nós e também para nossos parceiros. Mas isto não se aplica ao mundo da assistência à saúde privada hoje em dia. Cada um quer o melhor para si e os parceiros que se arranjem. O pior é que nesta relação comercial, os pacientes aparecem apenas como sinistros, custos gerados às operadoras.

Todas as instituições que dedicam-se à segurança do paciente e à qualidade na assistência afirmam categoricamente que a única maneira de efetivamente melhorar a assistência prestada aos pacientes é transformá-los no único foco da assistência.

Recentemente a ANVISA proibiu o Brasindice (índice de preços de medicamentos) de publicar os preços máximos ao consumidor. Isto forçará hospitais e operadoras a negociarem estes preços, mas isto está muito longe de ser suficiente para inverter essa lógica perversa.

Está na hora de hospitais e operadoras sentarem-se de verdade à mesa, não para discutir uso de órteses e próteses, mas para discutir e precificar a qualidade na assistência. Está na hora das operadoras pararem de pagar pelos danos causados aos pacientes, como fez o Medicare nos Estados Unidos. Somente desta forma os hospitais terão real empenho aumentar a qualidade e gerenciar seus riscos.

A sociedade preocupa-se tanto com o erro médico, como se este fosse um problema isolado. O problema é multifatorial não pode ser visto isoladamente. Esta é a revolução necessária, alguém tem que agir urgentemente!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A Navalha de Ockam

Antes de focar o modo como erramos e as maneiras de evitá-los, é importante que expliquemos o conceito da Navalha de Ockam citada no penúltimo post.William (Guilherme) de Ockam, lógico inglês e frade franciscano do Século XIV, elaborou o que se chamou de Lei da Parcimônia: Entia non sunt multiplicanda preater necessitatem (ou ainda, pluralitas non est ponenda sine necessitate), traduzindo, As entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade (ou, não se deve incluir pluralidade sem necessidade).


Mas o que isto tem a ver com qualidade em saúde? Tem tudo a ver, quando elaboramos processos temos a enorme tendência de fazê-los complexos, cheios de passos e etapas, cheios de pontos de checagem. É bastante comum atribuirmos mais funções e tarefas a pessoas já sobrecarregadas de trabalho, apenas porque queremos controlar melhor um ou outro processo. É comum inserirmos retrabalhos e etapas que pouco ou nada impactam os resultados apenas para podermos controlá-los melhor.


É essencial simplifiquemos nossos processos, procedimentos, protocolos e controles. Mantê-los simplificados, com o menor número de passos possíveis é a garantia de melhores resultados. Neste aspecto devemos ser radicais, usar a afiada navalha de Ockam para cortar tudo o que seja supérfluo,  todos os passos que não tenham impacto ou mesmo aqueles que afetem pouco os resultados. Certa vez discutindo sobre o método lean-sigma ouvi que o sistema lean ajuda a tirar elefantes do processo enquanto o six-sigma trata de animais menores.


Infelizmente em hospitais, antes de retirar os elefantes temos muitos dinossauros enormes a serem retidos.

sábado, 11 de setembro de 2010

Dez anos após "To Err is Human"

Em novembro de 2009 completamos dez anos da publicação do estudo To Err is Human. Em outubro de 2009 o New England Journal of Medicine, uma das mais importantes revistas médicas do mundo, publicou um artigo do Dr. Robert Wachter e Dr. Peter Pronovost em que analisam o impacto que este estudo teve sobre a a assistência a saúde.

Nestes dez anos, centenas de milhares de vidas foram salvas graças a esforços de entidades como o do Institute for Healthcare Improvement e suas campanhas 100.000 Vidas e 5 Milhões de Vidas. No entanto, há muito ainda a fazer.

Dr. Atul Gawande demonstrou em estudo publicado no mesmo New England Journal of Medicine que o uso de um checklist para cirurgia segura, posteriormente adotado pela Organização Mundial da Saúde, foi capaz de reduzir de 11% para 5% as complicações cirúrgicas e de 1,5% para 0,8% a mortalidade associada a procedimentos cirúrgicos. Apesar destes números, muitos cirurgiões ainda consideram o checklist desnecessário e um estorvo às suas atividades.

Wachter e Pronovost lembram-nos que a adesão à higienização das mãos em hospitais é de apenas 30 a 70% das oportunidades, apesar de sabermos há séculos que esta é a medida mais eficiente no controle das infecções hospitalares.

É necessária uma tomada de consciência não apenas dos meios ligados à saúde, mas também e principalmente da opinião pública esclarecendo, educando e comprometendo a população a cobrar dos profissionais da saúde atitudes e ações que garantam sua segurança. A exigência não pode vir apenas de dentro do sistema, tem que vir de fora para que tenha maior eficácia.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Erro Humano

Somos falíveis, erramos e erramos frequentemente. Todos sabemos disto. Por diversas vezes esquecemos coisas importantes tanto pessoais quanto profissionais. Aniversários de pessoas importantes passam sem que nos recordemos, esquecemos de pagar contas (felizmente existe o Internet Banking que permite pagamento até às 21:00h).

Erramos porque somos imperfeitos, porque nosso cérebro para funcionar melhor e mais rápido usa uma série de adaptações vindas da evolução da nossa espécie. Não há como evitar os erros, por mais esforços que façamos, mais cedo ou mais tarde ele ocorrerá.

Mas se isto é realmente verdade, e é! Por que insistimos em construir sistemas que se baseiam na perfeição humana? É comum, quando analisamos falhas na assistência médico-hospitalar ouvirmos dos responsáveis pela análise soluções como: o funcionário foi reorientado! Como se o funcionário tivesse errado por má fé, por negligência ou por descaso. Na imensa maioria das vezes não é isto que acontece. Ninguém sai de casa planejando errar nesta ou naquela função. Ninguém erra por que quer!

É necessário que entendamos os mecanismos dos erros humanos para que possamos efetivamente criar barreiras que previnam ou impeçam que os erros aconteçam. Na imensa maioria das vezes estas barreiras não podem basear-se nas capacidades humanas, mas sim em processos simplificados e bem elaborados.

O mote que deve acompanhar todo o processo de controle de riscos e segurança do paciente deve ser a antiga lei da parcimônia de Guilherme (William) de Ockham no século XIV: Entia non sunt multiplicanda preater necessitatem (ou ainda, pluralitas non est ponenda sine necessitate). A navalha de Ockham. Mas voltaremos a este tema em breve.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

O impossível é possível

Há meses não escrevo nesse blog, não por falta de vontade, mas por pura e absoluta falta de tempo. Mas a notícia vale a pena ser divulgada em português. Espero que meus leitores se entusiasmem como eu me entusiasmei já há dois anos.

Desde a morte de Tancredo Neves em 1985 que a famigerada infecção hospitalar é notícia em nosso país e vira e mexe encontramos notícias referentes ao assunto. Durante décadas, porém, hospitais em todo o Brasil e em todo o mundo produziram milhões de dados estatísticos e atacaram pontualmente "surtos" de infecção hospitalar. Especialistas, mesmo os mais renomados, acreditavam, e muitos ainda acreditam que a infecção hospitalar estará sempre presente entre nós. É comum nos relatórios (quase secretos) das Comissões de Controle de Infecção Hospitalar encontrarmos expressões do tipo: nossa incidência de pneumonia hospitalar está no nível endêmico.

Foram necessárias décadas para que começássemos a despertar para o fato que ninguém é internado em um hospital para adquirir pneumonia hospitalar e que a ocorrência de pneumonia hospitalar em um paciente, mesmo que de alto risco, é um evento adverso que não tem, ou pelo menos não deveria ter um "nível endêmico". Foi apenas com o surgimento do relatório "To Err is Human" e a seguir com o surgimento da Campanha 5 Milhões de vidas que passamos a entender, ainda que com grandes dificuldades, que o nível endêmico aceitável para a incidência de pneumonia hospitalar é zero.

Mesmo assim, muitos (todos) acreditavam que isso era impossível, jamais conseguiríamos atingir nível zero na incidência de infecções hospitalares. Mais uma vez a ciência nos surpreendeu. Com a publicação dos resultados dos primeiros 18 meses da Campanha 100.000 vidas (predecessora da Campanha 5 M vidas) descobrimos que alguns hospitais conseguiram atravessar um ano sem nenhum caso de pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV).

Recentemente, o Institute for Healthcare Improvement publicou novos resultados: mais de 65 hospitais estão há mais de um ano sem nenhum caso de PAV e o Community Hospital East em Indianápolis está há 25 meses livre dessa doença altamente letal.

Diante de dados tão contundentes, é necessário que esse novo paradigma se difunda e que os gestores hospitalares descubram que o impossível é possível. Talvez em alguns anos ou em poucas décadas, sejamos capazes de nos referir à infecção hospitalar como uma das mazelas do passado, como é para nós a Peste que no Século XIV dizimou milhões de vidas humanas.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Tomada de consciência

Há uma semana ouvi da Diretora Médica para Segurança dos Pacientes do Children’s Memorial Hospital de Chicago a declaração: a assistência médica-hospitalar é uma das mais inseguras atividades humanas. O choque inicial provocado pela declaração veio seguido da constatação de que sim, a atividade médica-hospitalar é muito insegura, talvez realmente, a mais insegura atividade humana. Há oito anos, o Instituto de Medicina Norte-Americano, um órgão comparável ao nosso Conselho Federal de Medicina publicou um estudo aterrador no livro To Err is Human (Errar é Humano). Nesse estudo revela-se que nos Estados Unidos (uma das mais avançadas e caras medicinas do mundo), entre 56.000 e 98.000 pessoas morrem a cada ano vítimas de “acidentes” relacionados à assistência médica.

Esse número de mortes coloca as causas ditas “iatrogênicas” como a 8ª. principal causa de morte naquele país, ganhando da AIDS, do Câncer de Mama e dos acidentes por veículos automotores. Estatísticas semelhantes foram demonstradas no Reino Unido, na Austrália, no Canadá e em outros países desenvolvidos. No Brasil, não temos ainda qualquer estatística que aborde essa questão, mas não tenho dúvidas de que, na melhor das hipóteses, estamos nos mesmos patamares norte-americanos. Seguramente, dezenas ou centenas de pessoas morrem diariamente por doenças que não possuíam ao serem internadas em hospitais por todo o país. Afinal, por que haveríamos de ser diferentes dos países mais ricos?

Além do enorme custo em vidas humanas, essas complicações têm enorme custo econômico, transformando-se num verdadeiro ralo de dinheiro, particularmente no serviço público, mas afetando também duramente o sistema privado. Em tempos de discussões acaloradas sobre a CPMF e a emenda 29, é necessário que tomemos real consciência desses fatos e iniciemos discussões profundas, tanto na sociedade civil quanto nos meios relacionados à saúde. Está na hora do discurso de melhoria da qualidade da assistência médica deixar de ser mero tema político-eleitoral e passar a ser abordado de forma científica, com a seriedade e a isenção que o assunto merece. É muito fácil encontrarmos culpados quando erros na assistência médica ocorrem, mas na enorme maioria das vezes o erro não está num indivíduo ou num grupo de indivíduos, a doença é sistêmica e como tal deve ser tratada.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Deu no New York Times...


A edição de 21/08/2007 do New York Times, noticiou que a partir de outubro de 2008, daqui a pouco mais de um ano, o Medicare - securidade social governamental americana para os idosos - não mais pagará os hospitais por despesas decorrentes de algumas complicações adquiridas dentro do hospital.

Essas complicações foram consideradas pelo Medicare como "condições que podem ser razoavelmente prevenidas". Algumas dessas condições são frequentes, outras são mais raras, a lista das inicialmente consideradas incluem:
  • Úlcera por pressão (escara de decúbito)
  • Lesões causadas por quedas
  • Infecções relacionadas a cateteres venosos
  • Infecções urinárias relacionadas a sondagem vesical
  • Tratamento de pacientes nos quais foi esquecido objetos durante a cirurgia
  • Complicações decorrentes de transfusões de sangue incompatível
O New York Times afirma,ainda, que algumas seguradoras privadas estão pensando em caminhar na mesma direção. Além disso algumas outras condições preveníveis estão sendo consideradas como septicemia por S. aureus, pneumonia associada a ventilação mecânica e infecção por C. difficile.

Se a moda pega, e olha que não é muito difícil de pegar, muito em breve os agentes pagadores da saúde complementar no Brasil podem tomar a mesma conduta. Até há alguns anos, tanto a justiça, como os agentes pagadores consideravam as complicações decorrentes da assistência médico-hospitalar acima como simplesmente inevitáveis. Eram complicações que podiam e deviam ser diminuidas, mas nunca conseguiríamos eliminá-las.

A areia no sapato foi a Campanha 100.000 vidas (atualmente 5 milhões de vidas) que demonstrou que é possível, sim, eliminar essas complicações com cuidados simples e baseados em evidências científicas.

Vou tentar, no próximo artigo, analisar as possibilidades de implementação da Campanha 5 Milhões de Vidas no Brasil e suas consequências.